sexta-feira, 26 de março de 2010

Roubar

Dicionário do futebolês


     Já se sabe que o “nosso” clube só pode perder por razões desonestas ou estranhas ou as duas juntas. De qualquer modo, vai tudo dar ao mesmo, porque aquilo que o adepto considerar estranho é desonesto. Já se sabe, “somos sempre roubados” ou “roubadinhos”. Também já aprendemos, em sessões anteriores, que os autores dos maiores roubos são (ou estão ligados a) os clubes que estiverem em primeiro lugar, o que quer dizer que há gente que, muitas vezes, só consegue roubar durante uma semana, como acontece com algumas agremiações que alcançam o topo da tabela, enquanto os candidatos ao título, os futuros ladrões, se distraem com alguns empates iniciais, vítimas de assaltos por parte de senhores que deviam usar o apito ou a bandeirinha noutras partes do corpo.
     Como reage o adepto ganhador ao conviver com tais agressões ao bom nome do seu clube? Num plano ideal, deveria ficar ofendido, bater no peito, urrando honestidades e, no limite, afastar-se de convivas tão indesejáveis ou convidar os invejosos a virem até à rua se forem homens. Talvez em países civilizados isso aconteça, mas, em Portugal, a testosterona é doutro calibre. Aqui, o adepto do clube acusado de latrocínio, cercado por uma matilha de derrotados, recosta-se na cadeira, compõe um sorriso cínico e orgulhoso e sentencia superior: “Ó pá, vocês nem roubar sabem!”
     Esta reacção é um verdadeiro tratado sobre a inutilidade da Ética. O futebol, como sucedâneo da guerra e, logo, equivalente do amor, é um reino em que vale tudo. O adepto não se preocupa sequer em chamar a atenção para a qualidade da sua equipa, pormenor em que, eventualmente, nem repara, porque o jogo é, para ele, um mal necessário cujo único interesse reside no resultado final. Se este corresponder a uma vitória, não interessa se se deveu a golos com a mão ou a favores de árbitros favorecidos ou a manobras no escuro dos gabinetes. O que é preciso é saber roubar.

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