Naquele dia, Jesus invadiu os aposentos do Pai, gritando, com a pressa de trazer a Má Nova:
– Ó pai, ó pai, trago más notícias!
– Irra! Já ando há mais de dois mil anos a dizer-te a mesma coisa! Quando chamares por Mim, usas maiúsculas. Fazes favor, sais, e voltas a entrar como deve ser. Só não te fulmino, porque sei que ressuscitas ao terceiro dia.
Jesus encolheu os ombros e saiu. Com o mesmo entusiasmo, reentrou, clamando:
– Ó Pai, ó Pai, trago más notícias!
– Vês como és capaz? Diz lá, Meu filho.
– O Saramago anda outra vez a criticar a Igreja e a Bíblia.
– Saramago? Quem é esse?
– Aquele escritor que até escreveu um livro sobre mim.
– Com essa descrição, havemos de ir longe.
– É aquele português que, por causa de um senhor que disse mal desse livro, resolveu dizer que se exilava em Lanzarote.
– Ui, já Me lembro! Na altura, até pensei que se todos os portugueses com razões de queixa do governo fossem para Lanzarote, aquilo já tinha ido ao fundo. Mas, então, o homem disse mal da Igreja e da Bíblia? Mesmo que dissesse mal de Mim, qual era o problema? Até parece que não sou omnipotente. Mas, afinal, quais são as más notícias?
– É que o pessoal da Igreja e afins ficou logo todo encrespado.
– Pronto, já estou mesmo a ver! O rapaz Saramago comete o erro básico de falar de literatura como se fosse a realidade e o pessoal da sotaina cai-lhe em cima porque pensam que não se pode dizer mal do livro preferido deles.
– É um bocado isso, é.
– É o costume: têm a mania que falam em Meu nome. Se estivessem mais preocupados em dar a outra face em vez de se comportarem como membros de uma claque de futebol…! Mas tu, deixa-te estar, com aquela cena macaca de andares a bater nos vendilhões também lhes deste um rico exemplo.
– Ó pai, outra vez essa história? Até parece que não te fartaste de fulminar gente!
– Olha as maiúsculas, rapaz!
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