quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

As quotas como treta




     A luta dos professores ao longo dos últimos anos teve uma especial incidência na recusa de quotas na avaliação. Aliás, esse problema continua a ser, para muitos professores, razão suficiente para não se estar completamente satisfeito com o acordo recentemente assinado pelos sindicatos. O futuro ainda poderá dizer se não voltará a haver uma divisão entre sindicatos e professores.
     Os argumentos para impor as quotas transformaram-se num dogma que pode ser resumido nestas duas frases: “só as quotas garantem uma avaliação de mérito” e “todas as profissões estão sujeitas a quotas”. Note-se que estas duas afirmações têm um acolhimento favorável entre a população portuguesa. Nesta luta, não há dúvida de que os professores estão muito sozinhos e a habilidade comunicacional do núcleo socrático tem contribuído largamente para a divulgação e solidificação do dogma.
     Qual a origem de uma resistência tão tenaz por parte dos professores a uma ideia tão cimentada? Do ponto de vista da opinião pública, já se sabe: os professores não fazem nenhum e não querem ser avaliados. A verdade é que os professores lidam com problemas ligados à avaliação durante toda a sua carreira. Ora, relativamente aos alunos, a cultura de avaliação em que vivem os professores torna-lhes inaceitável a ideia de que a avaliação possa estar sujeita a quotas. Para um professor, a avaliação do trabalho de um indivíduo faz-se com base em critérios e não tendo em vista quotas que imponham ou limitem qualquer avaliação. A extrapolação é simples: a regra deve aplicar-se a qualquer indivíduo, aluno ou não. Professor ou não, já agora.
     Esta resistência faz ainda mais sentido quando se sabe que não há diferença funcional entre um professor em início de carreira e outro professor no final. A existência de diferenças funcionais, como, por exemplo, o desempenho de cargos de coordenação ou de orientação de estágio, dava, antigamente, direito a horas de redução na componente lectiva, num sistema que oferecia algumas garantias de que a atribuição desses cargos estaria sujeita ao mérito e não a quotas.
     Uma das principais qualidades do dogma é usar a assertividade irracional como blindagem. Um dogma não tem de ser explicado e convém que não seja escrutinado: é assim porque sim. Na sociedade capitalista em que vivemos, as quotas têm sido utilizadas como meio de contenção de despesas, sendo que esse argumento nunca é utilizado directamente, antes transformado num imperativo ético.
     Este dogma foi espalhado pela parte interessada, ou seja, o patronato. Agora, vem a parte engraçada: todos aqueles que são prejudicados pelo dogma, os empregados, defendem-no também eles com unhas e dentes. Quando uma classe, aparentemente, alcança uma vitória contra este dogma, todas as outras se revoltam contra ela. Porquê? Porque acreditam tão profundamente no dogma que não admitem que possa ser posto em causa. Deste modo, o patronato (e o governo também é patrão) não precisa de se mexer: basta-lhe apontar os hereges.
     Num país em que qualquer privilégio alheio é uma ofensa pessoal, os professores não passam de uns malandros. O que fazem, então, os trabalhadores cuja avaliação está abrangida por quotas? Resolvem pensar pela própria cabeça para decidir se isso é justo? Não, preferem confundir direitos com privilégios e a única coisa que exigem é que todos estejam tão mal como eles.
     Enquanto as outras classes profissionais andam ocupadas a ver nos professores uma cambada de chupistas, esquecem-se de procurar saber quais deverão ser os seus direitos e não reparam que o Estado contribui despreocupadamente para aumentar o défice através de pequenas, médias e grandes despesas, que podem ir de reformas milionárias, passando por desperdício de dinheiros em frotas automóveis, até ao lançamento de grandes obras públicas reclamadas por entidades tão desinteressadas como, por exemplo, a Mota-Engil.
     No território da política (usar o adjectivo “baixa” parece cada vez mais um pleonasmo), confirma-se o que já se sabia: há partidos que apoiaram as lutas dos professores enquanto lhes foi útil. Mal a maioria relativa lhes proporcionou a hipótese de acabar com as quotas, deram o braço ao dogma, ou não estivessem esses partidos umbilicalmente ligados aos beneficiários desse mesmo dogma, aqueles mesmos que aparecem devidamente engravatados e visivelmente perfumados a dizer que vivemos acima das nossas possibilidades.
     Finalmente, o descaramento de José Sócrates mantém-se: depois de passar uma campanha inteira a gritar o seu esquerdismo, usa a direita como muleta de um orçamento completamente destro. Nada de novo num primeiro-ministro cuja especialidade comunicacional consiste em debitar chavões e frases feitas, sem mais explicações ou aprofundamentos. Quotas e congelamentos de salários? Claro. Porquê? Porque sim.

3 comentários:

  1. A avaliar pelo primeiro ciclo de ADD, as quotas não produziram qualquer efeito, pois houve quem tivesse Bom 9 e Bom 10, o que ultrapassa e irreleva totalmente qualquer quota que pudesse haver para os Muitos Bons e Excelentes.

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