segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O futuro da Democracia sou eu








Publicado no Jornal dos Arcos






Tendo sido a palavra inventada pelos Gregos, a Democracia, enquanto prática social, é recente na história da humanidade e julgo que é possível afirmar-se que não chegou, ainda hoje, à maioria dos homens. Pessoalmente, entendo a Democracia como uma mistura de dois elementos essenciais: empenhamento e altruísmo. Através do empenhamento, o democrata dá o devido valor ao seu contributo individual, assuma este a forma de um voto ou de uma opinião. O democrata deve ser igualmente altruísta, procurando contribuir para o bem comum e não apenas para o benefício individual ou tribal. Trata-se de uma prática trabalhosa, talvez a grande conquista da humanidade contra a sua própria natureza.

Ao longo dos séculos, os homens têm reflectido sobre aquilo que verdadeiramente os distingue dos animais. A sociedade, ao longo dos tempos, tem-se preocupado tanto com isso, que, muitas vezes, tem justificado medidas e leis com a necessidade de distinguir os homens dos animais. Na terrível obra A Ilha do dr. Moreau, de H. G. Wells, Moreau cria seres mutantes que acumulam características animais e humanas. Ciente dos perigos que implica esta mutação, esses seres são obrigados a cumprir regras como a de que não se pode comer outros animais. Penso que, neste romance, a verdadeira e dilacerante humanidade está não nas personagens humanas, mas naqueles que lutam diariamente contra a sua própria animalidade, no fundo, a luta milenar do homem.

Ora, a natureza não é democrática. Na verdade, é absolutamente ditatorial, com mais sinais de agressividade do que de solidariedade. O mais forte elimina friamente o mais fraco. Relativamente à presa, o predador não sente pena, sente fome. Numa alcateia, não há diálogo, há submissão. Num grupo de gorilas, há um chefe cuja autoridade deriva, acima de tudo, da força física que usa para rebaixar todos os outros elementos.

A Democracia será, assim, uma característica humana conquistada contra a tendência natural para a predação. O homem engravata-se, perfuma-se, põe o ar sisudo dos estadistas guardados nos quadros para a posteridade, mas continua a ser um troglodita menos piloso, um símio falante, o pior dos lobos, o lobo de si próprio, como já dizia Plauto, há mais de dois mil anos.

Recentemente, li num editorial uma expressão que se tem transformado num lugar-comum: dizia o autor que vivemos numa “sociedade que se quer competitiva”. Dei por mim a pensar na etimologia da palavra “sociedade” e lembrei-me de que a origem está em “socius”, ‘aquele que acompanha’. É curioso como as palavras guardam significados que podem constituir lições de moral: no caso em apreço, a etimologia ensina-nos que a base da sociedade é o companheirismo e não a competição.

Sem querer ser pessimista, penso que a Democracia nunca esteve tão viva e tão em perigo. Todos os dias nos confrontamos com discursos e medidas tendencialmente ditatoriais: oito anos de Bush, empresas multinacionais que vivem do trabalho infantil, excesso de proximidade entre poder económico e poder político, diminuição progressiva da liberdade de imprensa, imposição furiosa das leis de Mercado ou o estigma da ingovernabilidade de um país sem maiorias absolutas.

Finalmente, nada é mais perigoso para a saúde de uma Democracia do que uma sociedade que não quer aprender, que não quer pensar. Nada é mais perigoso para a saúde da Democracia do que a crescente iliteracia e incultura para que são arrastados milhares de jovens, perante a indiferença de toda a sociedade face à perda de qualidade da escola pública. É dessa indiferença que nasce a abstenção. Não só – nem sobretudo – a abstenção nas eleições, mas a abstenção quotidiana, aquela que leva cada indivíduo a prescindir do seu próprio contributo, prescindindo, portanto, da Democracia.

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